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Por que só procuramos terapia quando algo vai mal?
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Por Eduardo Gonçalves
Durante muito tempo, a ideia de “fazer terapia” esteve associada a um último recurso, uma medida extrema para quando tudo já parece estar desmoronando. A pessoa só marca a primeira sessão após uma crise de ansiedade, um ataque de pânico, uma separação dolorosa, o esgotamento no trabalho ou uma dor emocional que se tornou insuportável. Mas por que é tão comum essa espera? Por que a busca por apoio psicológico ainda é vista como resposta a um colapso, e não como uma forma legítima de autocuidado?
Especialistas em saúde mental apontam que essa cultura da “terapia como emergência” está enraizada em diversas camadas da nossa sociedade. A primeira delas é o estigma: por muitos anos, associou-se a psicoterapia a loucura, fraqueza ou incapacidade de resolver os próprios problemas. Embora esse tabu esteja aos poucos sendo desconstruído, ainda é comum ouvir frases como “não preciso de terapia, estou dando conta” — como se apenas quem estivesse “quebrando” emocionalmente pudesse ou devesse buscar ajuda.
“Vivemos em uma sociedade que valoriza a autossuficiência, o desempenho e a racionalidade. Mostrar vulnerabilidade, dizer que não está bem ou que precisa de ajuda ainda é visto por muitos como sinal de fracasso. Por isso, muitas pessoas evitam a terapia até que não haja mais escolha”, explica a psicóloga [Nome], especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).
Além disso, há uma falsa ideia de que o sofrimento precisa atingir um grau máximo para ser legítimo. Muita gente minimiza o próprio mal-estar com frases como “não é tão grave assim” ou “tem gente em situação pior”, o que dificulta o reconhecimento de que o incômodo já interfere na qualidade de vida — e que isso, por si só, é motivo suficiente para buscar ajuda.
A psicoterapia, porém, não é apenas um tratamento. É também um processo de autoconhecimento, prevenção e fortalecimento emocional. Ela pode (e deve) ser procurada mesmo quando a vida parece estar “bem”, justamente para lidar com questões internas que se manifestam de forma mais sutil, como insatisfação recorrente, inseguranças, dificuldade de tomar decisões, conflitos de identidade ou padrões de relacionamento repetitivos.
Na Terapia do Esquema, por exemplo, trabalha-se com esquemas emocionais formados ainda na infância — como o medo de abandono, a autocrítica severa ou a necessidade de aprovação constante. Esses esquemas, mesmo que não causem sofrimento explícito no início, podem influenciar escolhas, relacionamentos e autoestima de forma silenciosa, crescendo com o tempo até se tornarem sintomáticos.
Já na TCC, os atendimentos focam em identificar pensamentos automáticos, crenças centrais e padrões de comportamento que afetam o bem-estar emocional. Muitas vezes, esses padrões não são percebidos conscientemente, mas moldam a forma como a pessoa reage ao mundo. Trabalhá-los preventivamente permite desenvolver estratégias de enfrentamento mais saudáveis antes que o sofrimento se torne incapacitante.
Outro ponto que contribui para a procura tardia é a correria do cotidiano. Entre compromissos, metas, cobranças e responsabilidades, reservar um tempo para olhar para si mesmo pode parecer um “luxo”. Mas, na prática, essa pausa é o que impede que o mal-estar se acumule. “Fazer terapia é como fazer manutenção de um carro. Você não precisa esperar quebrar para levá-lo ao mecânico. Cuidar antes evita danos maiores depois”, compara a terapeuta.
O crescimento das redes sociais também tem um papel ambíguo. Por um lado, há mais acesso a conteúdos sobre saúde mental e incentivo à busca por ajuda. Por outro, a cultura da performance e da positividade tóxica pode fazer com que as pessoas se sintam pressionadas a mostrar que estão sempre bem — mesmo quando não estão.
A boa notícia é que o cenário vem mudando. Cada vez mais pessoas têm entendido a terapia como investimento em si mesmas — e não apenas como reação a uma crise. A escuta profissional proporciona um espaço seguro de acolhimento, reflexão e reconstrução de sentidos. E esse cuidado não precisa, nem deve, esperar o caos.
Afinal, procurar terapia não é um sinal de que algo vai mal. É, na verdade, um sinal de que alguém está escolhendo se cuidar antes que vá.