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Os problemas silenciosos da infância: o que os pais não percebem
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Por Eduardo Gonçalves
Por trás de crianças obedientes, tímidas ou extremamente esforçadas, podem estar questões emocionais profundas que passam despercebidas por pais, professores e até profissionais de saúde. Conhecidos como “problemas silenciosos da infância”, esses padrões de sofrimento psíquico não se manifestam necessariamente em comportamentos disruptivos, mas podem ter efeitos duradouros ao longo da vida. Com base em abordagens psicoterapêuticas como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a Terapia do Esquema, especialistas têm chamado atenção para sinais precoces que, se ignorados, podem contribuir para o desenvolvimento de quadros de ansiedade, depressão e dificuldades nos relacionamentos interpessoais.
Crianças que parecem maduras demais para a idade, que evitam conflitos a qualquer custo ou que se cobram em excesso para atingir padrões elevados de desempenho, muitas vezes são vistas como exemplos de bom comportamento. Contudo, esse mesmo comportamento pode mascarar sentimentos de inadequação, medo de rejeição ou crenças rígidas de que precisam ser perfeitas para merecer afeto. Segundo a psicóloga clínica e especialista em Terapia do Esquema, esses comportamentos podem indicar a presença de esquemas disfuncionais precoces, definidos como padrões emocionais e cognitivos negativos que se formam na infância e moldam a maneira como a pessoa percebe a si mesma, os outros e o mundo.
Entre os esquemas mais comuns identificados em crianças estão a privação emocional — a crença de que suas necessidades emocionais não serão atendidas —, o autossacrifício, quando a criança aprende a colocar as necessidades dos outros acima das suas, e os padrões inflexíveis, que impõem regras internas rígidas e perfeccionistas. Esses esquemas, embora muitas vezes desenvolvidos em lares afetivos e bem-intencionados, surgem em contextos onde há excesso de exigência, falta de escuta emocional ou valorização exclusiva de desempenho e obediência.
A Terapia Cognitivo-Comportamental, abordagem psicoterapêutica amplamente validada cientificamente, trabalha com a identificação e modificação de pensamentos automáticos negativos, além do manejo comportamental das emoções. Na infância, o processo envolve tanto a criança quanto os cuidadores, com o objetivo de desenvolver habilidades de autorregulação emocional e reestruturação de crenças disfuncionais. Já a Terapia do Esquema, criada por Jeffrey Young, propõe uma intervenção mais profunda, voltada à origem desses padrões emocionais. A técnica integra elementos da TCC, da teoria do apego e da gestalt-terapia, permitindo o resgate de necessidades emocionais básicas não atendidas, como segurança, validação, aceitação e espontaneidade.
Casos clínicos ilustram como esses padrões podem se manifestar de forma sutil. Uma criança de nove anos, por exemplo, era frequentemente elogiada por sua independência e autocontrole, mas revelou na terapia uma crença profunda de que “incomodar os outros” tornaria sua presença indesejada. Outra, aos onze anos, desenvolveu sintomas psicossomáticos diante de avaliações escolares e demonstrava angústia intensa diante de qualquer possibilidade de fracasso, acreditando que sua aceitação pelos pais dependia de seu desempenho acadêmico.
Esses exemplos evidenciam como o sofrimento infantil pode ser internalizado de maneira silenciosa e resistente à identificação por observadores externos. Por isso, profissionais recomendam que pais fiquem atentos a sinais como autocrítica excessiva, retraimento social, rigidez comportamental ou somatizações sem causa médica aparente. Além disso, é fundamental oferecer escuta ativa, validar emoções — mesmo as consideradas “negativas” — e evitar reforçar a ideia de que valor e amor estão condicionados a desempenho ou obediência.
Reconhecer os problemas silenciosos da infância não significa patologizar comportamentos típicos do desenvolvimento, mas abrir espaço para uma escuta mais sensível e responsiva às reais necessidades emocionais das crianças. A boa notícia é que, com apoio profissional adequado e intervenções baseadas em evidências, como a TCC e a Terapia do Esquema, é possível resgatar a espontaneidade, a autoconfiança e a autenticidade que toda infância merece experimentar. Afinal, cuidar da saúde emocional desde cedo é investir em adultos mais saudáveis, conscientes e resilientes.